Breve abordagem sobre o Paisagismo
A transformação da paisagem natural em função do interesse humano de apropriação do espaço leva ao desenho das cidades, que reflete as características da cultura que a construiu, expressada no parcelamento do solo urbano e nos seus simbolismos sociais, culturais, religiosos, etc. A percepção da paisagem como lugar de referência de um grupo social permite a identificação, com seus gostos e valores culturais, padrões de percepção e apropriação formal àquela sociedade. (Niemeyer, 2011:13)
Desde os primórdios da civilização a jardinagem, ou atividade de construir jardins, se registra como intrínseca à própria preservação do homem, dado o seu caráter historicamente utilitário, seja para fins alimentícios, medicinais ou estéticos. “(…) Define-se Paisagismo como um processo consciente de manejo, planejamento e recriação física da paisagem, e que se utiliza de princípios artísticos na construção de ambientes e cenários em qualquer escala de atuação”. (Niemeyer, 2011: 11)
De acordo com Niemeyer (2011, pág 09), o paisagismo visa harmonizar o ambiente humano qualificando nosso habitat cotidiano. E seu interesse surgiu com a necessidade humana de modificar o ambiente em que vivia, adaptando às suas conveniências funcionais, estéticas e ambientais. Do ponto de vista de planejamento ambiental, é um instrumento de conciliação das necessidades humanas com a natureza, traduzida na criação de um ambiente saudável e uma paisagem viável aos interesses de uma sociedade que pretenda viver em harmonia naquele habitat. Sendo assim, o componente vegetal entra como suporte para a qualidade ambiental urbana, subordinando-se aos valores mais significativos da composição paisagística.
O autor ainda afirma que as cidades são percebidas por meio de seus espaços públicos em nosso caminho diário. São espaços vinculados historicamente ao desenho da cidade e sua intervenção deve conceber uma proposta calculada na percepção da paisagem e numa linguagem coerente com a escada de uso e o caráter do lugar, que atendam a critérios ecológicos, antropológicos, sociológico e urbanístico.
Para Roberto Burle Marx, além de fazer um paisagismo consciente e profundo, a missão social do paisagista tem um lado pedagógico de fazer comunicar às multidões o sentimento de apreço e compreensão dos valores da natureza através do contato. “Devemos harmonizar a ação humana com a natureza, planejar cada interferência diante da capacidade de transformação brusca da paisagem” (Burle Marx, 1987: 43).
Para Abbud (2007, pág 24), não há projeto de paisagismo sem a definição de lugares. Para ele, lugar é todo espaço convidativo ao encontro de pessoas que estimula a permanência, seja ela para a prática de alguma atividade ou apenas admirar o entorno e os elementos da paisagem. Já o não-lugar é o “espaço que une dois lugares”; espaço de passagem, criado para ligar e não para permanecer, possibilita a surpresa do usuário na transição de um lugar para outro.
A paisagem não é estática, está em constante transformação pela natureza ou pela ação do homem. O uso consciente do componente vegetal permite criar espaços associados aos elementos arquitetônicos, o que reforça o paisagismo como forma de manifestação artística (Burle Marx, 1987: 19).
A vegetação deve participar ativamente da estruturação do projeto numa configuração semelhante a concepção espacial arquitetônica (Niemeyer, 2011, pág 55). Além de despertar o senso estético da paisagem urbana, a vegetação purifica o ar com a fotossíntese, absorve poeiras e partículas poluentes, atenua o calor, aumenta a permeabilidade do solo, dá harmonia, regularidade e unidade à paisagem, afastando a impressão de caos sugerida pelo cinza das cidades.
Continuando com Burle Marx (1987, pág 41), o valor da planta na composição é sempre relativo. A planta vale pelo contraste ou pela harmonia com outras plantas que se relaciona em associações ecológicas, observando a paisagem natural e lutando pela preservação dos ecossistemas.
Em complemento a esse pensamento, Abbud (2007, pág 53), diz que os principais elementos da vegetação a serem levados em consideração na criação de espaços são a morfologia e adaptabilidade das espécies.
Assim sendo, ao propor uma formação vegetal, deve-se conhecer bem as características das plantas, como sua forma, habitat natural, crescimento, função ecológica e efeito paisagístico que proporciona.
Os principais aspectos morfológicos a serem levados em conta vão desde a raiz (pivotante, fasciculada ou aérea), passando pela estrutura de caule/tronco, tipos de copa (distantes ou agrupadas), cor e época da floração e frutificação. Ademais, as plantas são classificadas de acordo com sua tipologia: arbórea, arbustiva herbácea, forração ou aquática.
No paisagismo, a vegetação desempenha diferentes papéis, desde a valorização de um determinado elemento na paisagem, disposições volumétricas de ritmo e equilíbrio, relações de proporção ou escala, por meio de conjuntos homogêneos – grupos de árvores da mesma espécie; maciços heterogêneos – formado por árvores de diversos portes, formas, texturas, florações e frutificações ou isoladas.
De acordo com Hannes (2016, pág 04), os espaços podem ser caracterizados como espaço privado, que é aquele que pertence a uma pessoa física ou instituição, podendo ser aberto ou não ao uso público; espaço público de uso comum, de propriedade pública abertos e de livre acesso (vias de circulação, áreas de lazer) ou restrito (ou parcialmente coletivo), como prefeitura, fóruns, instituições de ensino e hospitais.
Dentre os espaços públicos abertos, estão as praças, parques, jardins, verde viário, etc
As relações entre os elementos vegetais compositivos da paisagem estão distribuídas nos planos estruturadores de espaço, e são eles:
Plano de piso: é formado pelo plano horizontal, estabelece os fluxos e os usos dos espaços (forração: gramados e plantas rasteiras)
Plano de Vedação: é formado pelas elevações (paredes e maciços vegetais) que delimitam as visuais, com diferentes graus de transparência e visibilidade (cerca viva: árvores, arbustos e trepadeiras)
Plano de teto: é formado pela cobertura natural da abóbada celeste ou dossel (copa das árvores). Pode ou não associado a elementos arquitetônicos.
Para finalizar, a arquitetura da paisagem é a arte de intervir com elementos naturais, remodelar os lugares para torná-los aproveitáveis e esteticamente agradáveis (Panzini,2011:14)
Referências
Abbud, Benedito. Criando Paisagens: guia de trabalho em arquitetura paisagística. São Paulo: Ed. Senac, 2006.
HANNES, Evy. Espaços abertos / espaços livres: um estudo de tipologias. Paisagem e Ambiente, São Paulo, n. 37, p. 121-144, july 2016. ISSN 2359-5361. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/paam/article/view/100413>. Acesso em: 03 abril 2017.
MARX, Roberto B. Arte e paisagem: conferências escolhidas. São Paulo: Livraria Nobel, 1987.
Niemeyer, Carlos Augusto da Costa. Paisagismo no planejamento arquitetônico / Carlos Augusto da Costa Niemeyer. 2.ed. – Uberlândia: EDUFU, 2011
Panzini, Franco. Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as origens até a época contemporânea /Franco Panzini; tradução Letícia Andrade. – São Paulo: Editora Senac São Paulo 2013
Vanessa Bozzetti Maiorini é Arquiteta Urbanista.
Arquiteta em formação constante, atualmente dedica-se ao paisagismo e ao aprendizado da botânica. Busca sempre priorizar plantas nativas do local em seus trabalhos.
Excelente artigo.
Gosto muito da abordagem do Burle Max, mas foi ótimo saber de Niemeyer e Abbud.
Parabéns!